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O sagrado sofrimento

  • Irmão Agostinho
  • 29 de dez. de 2018
  • 6 min de leitura

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PAX

Com frequência eu me vejo rodeado de pessoas que sofrem - ora, todos sofremos - e compartilham suas desventuras comigo. Muitas delas têm seu sofrimento como consequência da partida de um ente querido, alguém que já terminou sua peregrinação terrestre. Dado isso, achei por bem escrever este texto, este consolo, pois uma pessoa muito próxima à minha mãe parece estar sofrendo muito com o falecimento de sua própria mãe.


Em primeiro lugar, farei uma apologia aos benefícios espirituais do sofrimento, e numa postagem posterior, sobre os benefícios da morte.


Peço que o leitor siga o meu raciocínio. Pensemos que Deus nos criou. Com muito amor dispôs tudo para nós. Nós, em nossa ingratidão, pecamos contra Ele e em consequência disso invertemos a ordem das faculdades da alma, descaracterizamos a pureza da Criação e perdemos a convivência direta com o Criador. Ele, contudo, é bom, e em Sua bondade nos prometeu reintegrar-nos um dia à Sua vida.


Cristo, coexistente com o Pai desde toda a eternidade, num ato voluntário de amor a nós, Se encarnou e veio conviver conosco e nos revelar a plenitude da vida. Ainda por amor a nós não teve um só momento de paz neste mundo. Mais ainda, e ainda por amor, foi entregue nas mãos dos príncipes dos sacerdotes por seu próprio apóstolo. Por amor foi flagelado, julgado, condenado, abraçou Sua cruz e nela foi pregado e erguido. Lá, por amor também, proferiu as palavras de perdão aos seus algozes e entregou Sua Mãe a Seu discípulo amado. Por um amor transcendente ainda ressuscitou na manhã do terceiro dia. Conviveu conosco e depois de voltar à casa do Pai enviou-nos o Espírito Santo para guiar a Igreja que Ele fundou.


Que mais podemos nós querer, senão unirmo-nos mais intimamente a Cristo? Ele é o Esposo da nossa alma, é o único que plenifica nossa vida, é quem mais nos ama. E como unirmo-nos a Ele? Pensando em vencer este mundo? Não. Nossa união se dá na participação de Sua cruz e na esperança da ressurreição final. Notemos que no Evangelho Ele mesmo diz: "Quem quiser vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me" (Mt. 16, 24). Em nenhum momento O vemos dizer para sermos felizes neste mundo. E como poderíamos? Se Ele sofreu por amor a nós, nada mais lógico que nos configuremos a Ele abraçando nossa cruz por amor Àquele que fez o mesmo por nós. Não há amor sem sofrimento. Caso contrário, não é amor, é afeição. Por Cristo não devemos ter um mero afeto, mas um amor sublime. Já diz o primeiro mandamento: amar a Deus sobre todas as coisas. Sim, todas as coisas. Se O amamos, por Ele sofremos. "Se com Ele sofremos, com Ele seremos glorificados" (Rm. 8, 17). Mas não é uma glória terrena. Esta glorificação só se dará como aconteceu com o próprio Mestre: após a ressurreição. Antes disso, é tolice esperar dias felizes. Por isso deseja a Igreja que esta recordação de que o mundo não é nossa pátria seja uma constante esperança de obtermos a Vida Eterna.


Aqui, portanto, passo a outro ponto importante a respeito do sofrimento: não somos deste mundo. Já disse o próprio Jesus: "Eis que eu estou no mundo, mas não pertenço ao mundo" (Jo. 17, 14). Quem é aquele que é bem recebido em terra estrangeira? Bem, havemos de considerar que estamos no Brasil, e aqui qualquer um que vem de um país de primeiro mundo é posto num pedestal e adorado, mas isso não é parâmetro. Nos outros países todos os estrangeiros são deixados à margem da sociedade. E, no Brasil, vemos isto quando o estrangeiro é haitiano ou venezuelano, por exemplo. O mundo, que é principado de Satanás (cf. Jo. 12, 31), nos tratará da mesma forma, afinal fomos feitos à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn. 1, 26). Viemos dEle e para Ele voltaremos, e inquieto está nosso coração enquanto não repousarmos nEle¹. Esperamos, portanto, vencer ainda neste mundo? Ora, tolice! Nossa vitória se dará no Céu, quando recebermos a coroa da vitória por termos imitado a Cristo. "Eu vos dei o exemplo - disse Ele - para que assim façais também vós" (Jo. 23, 15).


Portanto, abraçar a cruz é um ato de amor e gratidão. Seja esta nossa oração diante do sofrimento: "Senhor, a ti entrego esta cruz como uma prova de amor a vós. Tomai meu sofrimento, tomai minha resignação, tomai para vós minha humilhação, mas tomai sobretudo minha gratidão por permitires que eu viva a vida como Vós. A Vós entrego voluntariamente tudo isto como minha gratidão pelo amor que provastes em Vossa santa Paixão. A Vós, assim, entrego meu amor. Dai-me a graça de amar-Vos no sofrimento como Vós me amastes do alto do madeiro sagrado. Que eu me una a Vós de forma que minha vida seja irrepreensível e eu possa louvar-Vos, um dia, no Paraíso".


Qual é o maior mandamento? Amar a Deus sobre todas as coisas. Isto está contido nas palavras de Jesus: "Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu entendimento" (Mt. 22, 37). Isto feito, ainda temos um segundo a cumprir, ao qual Ele dá duas fórmulas. A primeira segue as palavras citadas acima: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo" (Mt. 22, 39). A segunda é conhecida como Regra de Ouro: "Tudo aquilo que quiserdes que os homens façam por vós, fazei-o, vós mesmos, a eles" (Mt. 7, 12). Há uma ciência da Teologia, a Ascética, que mostra-nos que o sofrimento possui, também, a dimensão da caridade. Sofrer nos torna mais empáticos ao sofrimento alheio, nos revigora a caridade e nos faz pessoas melhores. Diz o Catecismo da Igreja Católica: "O caminho de perfeição passa pela cruz. Não existe santidade sem renúncia e sem combate espiritual. O progresso espiritual envolve ascese e mortificação, que levam gradualmente a viver na paz e alegria das bem-aventuranças"². Podemos dividir a ascese em ativa e passiva. Ascese ativa é a busca voluntária de supressões da própria vontade, como jejuns, penitências e exercícios espirituais. A passiva, mais excelente, diz respeito a aceitar com doçura e benevolência, as cruzes que Deus nos manda, amando-o em Sua vontade e unindo-nos a Sua Paixão.


Ainda sobre o sofrimento, não podemos nos esquecer da sua utilidade purificadora. Todos somos pecadores. Por consequência do Pecado Original, somos inclinados a todo tipo de impiedade. Comumente nos percebemos deslizando nos mandamentos, relaxando na prática das virtudes ou mesmo negando o amor de Deus pela ingratidão, ao abraçar os bens deste mundo que passa. Então somamos à pena do Pecado Original, as penas pelos nossos pecados particulares. O Pecado Original, mesmo sendo remido no batismo, continua tendo sua pena em voga, pois continuamos morrendo, continuamos tendo que trabalhar etc. Já dos pecados particulares nos purificamos pela ascese, e principalmente por esta ascese passiva. Cristo nos reabriu o Céu, mas nós ainda precisamos merecê-lo. Por isso diz o apóstolo: "Completo na minha carne o que falta às tribulações de Cristo" (Col. 1, 24).


Podemos, ver, portanto, as múltiplas dimensões do sofrimento: íntima união a Cristo, potencialização do amor a Deus, esperança de Céu, exercício da caridade fraterna, purificação dos pecados. É muito útil nos debruçarmos sobre este tema, pois todos sofremos. O leitor poderá perguntar a todas as pessoas do mundo se são felizes. Nenhuma dirá que é. Sempre faltará algo. Mas àquele que se une intimamente a Deus através do sofrimento, a ele o sofrimento terá uma dimensão de felicidade. Este será doce, pois receberá o tempero do amor, que anula qualquer amargor e qualquer incômodo. Recebamos de braços abertos o que Deus nos manda, que sejamos Seus imitadores e amigos. Que O amemos com um amor incondicional.


Peço a todos suas orações por este que escreve. Se escrevo este tipo de conteúdo, não é por meu mérito, mas é por valor de Deus. Já diz o salmista: "Se o Senhor não construir a casa, em vão trabalharão os que a edificam" (Sl. 126). Peço que me ajudem, com suas orações, a ajudar as pessoas que necessitam de consolo. Ajudo como posso, com palavras. Mas se Deus não contribuir, eu nada posso. Deus os abençoe imensamente.

UIOGD

¹SANTO AGOSTINHO, Confissões.

²Catecismo da Igreja Católica. Parágrafo 2015.

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Criado em 11/07/2017. Direitos de reprodução reservados.

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